segunda-feira, 4 de julho de 2011

Imenso e azul.



Ah, o mar.
Desde pequena sempre senti uma atração incomum por ele. Gosto das ondas, gosto de olhar o horizonte e não ver nada. Sentir o mar (e, para quem gosta de especificidade) com os olhos, com a pele e com os ouvidos (para os mais ousados, com o paladar); é indescritível. O movimento infindável das ondas que apresentam-se ao mesmo tempo íntegras e instáveis. Lá. Algo milimetricamente calculado para ser perfeito.

"Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul (...) Quando ele e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: 'Me ajuda a olhar!'."
(Eduardo Galeano)

Não posso mentir. Primeiro porque não consigo (ou me descobrem - porque realmente não sei - ou acabo contando). Segundo porque não acho honesto. A questão é: um cruzeiro.
Entrar no navio é... diferente. Cheira a casa nova, móveis novos. Todos os tripulantes (os que trabalham, é claro) sorriem. Têm um broche com o nome do respectivo navio e uma bandeira simpática de sua terra natal. Entregam cartões (é, tempos modernos) que são, ao mesmo tempo, a sua identificação e o seu cartão de crédito. Neles, estão escritos seu nome completo e o número de sua cabine. A mala (que já foi entregue no início da manhã, quando você pegou uma fila de 3 horas [ah, hoje em dia isso não é nada, minha gente!] para preencher papéis [burocracia]) está lá, no local que será seu quarto durante alguns dias. Depois, entram num elevador e pronto, está no andar certo.
Se balança? Se dá enjôo?
Responderia que sim para a primeira pergunta e não para a segunda. É tudo tão leve que não se sente nada. Mas, para quem tem o estômago mais "terreno" existem remédios. Acredite, não é ruim o suficiente para que passe pela sua cabeça de nunca mais entrar em algo que bóia.
É tudo muito bem servido, os trabalhadores são extremamente dedicados e educados. O problema todo não está no que descrevi até agora (nem nas 3 horas de fila, acredite!). Tudo é muito bom, a não ser pelas atividades recreativas desenvolvidas no decorrer da viagem. Não costumo participar. E, para quem não costuma participar, torna-se algo inquietante. Muitas pessoas se divertem, verdade. Não vou entrar em detalhes, para isso, pense em atividades recreativas, é o suficiente.
Vou explicar como passei os dias (que foram primorosos).
O café da manhã. Variedade é a palavra. Sirva-se, sente-se e aproveite a vista fascinante que terá ao seu lado. Não tenha hora para levantar da mesa e muito menos tensão, estresse, desânimo, ou qualquer sentimento que te lembre segunda-feira de manhã. Todos te servem com muita ternura e se esforçam ao máximo para falar a sua língua (algo que geralmente não acontece em outros países, por exemplo).
Lembro que levei comigo um livro, de Lispector. Consegui lê-lo em 5 dias. Sem a menor pressa. Primeiro porque Clarice simplesmente entende (sem mais). Segundo porque era o que fazia enquanto deitava ao sol (não, nunca tive esse hábito, mas fiquei, por conta de conseguir ver o mar).
Faça isso pela manhã; como estudante de medicina me sinto obrigada a dizer aquelas coisas que todos estão mais do que acostumados a ler em revistas e anúncios (além de ouvirem de seus médicos): pegue sol pela manhã, num período em que o sol não está forte o suficiente para provocar nada mais do que uma pele bronzeada em você.
Almoce. Nesses navios sempre existem diversos restaurantes e comida o suficiente. Há frutas para a sobremesa, são saborosas, coloridas e cheirosas. Já falei que os lugares têm cheiro de casa nova?


Depois, passava meu tempo lendo, novamente. Em meu quarto, havia varanda. Éramos Clarice, a varanda, o mar e eu. A tarde inteira. O som do mar preenche. Sinta-se parte dele (porque você o é). A brisa que sopra é sua, toca sua pele, mesmo que esteja de roupa. Como se em cada espaço de vida lá estivesse ela. E tem cheiro! Cheiro de imenso, de perpétuo e de manhã.
A noite vem o jantar. Sempre terá uma roupa para a ocasião que deve usar (esporte fino, geralmente). Não usei em todos os dias. Não é regra (e, cá entre nós, quebrá-las de vez em quando não faz mal a ninguém). Você será atendido por garçons de diversas nacionalidades. Mas tenho que confessar que, nessa viagem, fiquei curiosa para conhecer um país, em especial. A Indonésia. Como são simpáticos e prestativos os indonésios. Eles falaram inglês, de uma forma quase que compreensiva e linda! Tão singular, tão simples e tão sincera que chegou e me deixar embaraçada. Seus olhos são penetrantes e querem dizer algo, traduza-os e aproveite.


No primeiro dia, fará um treinamento. Fique calmo. Vai somente colocar o salva-vidas e subir as escadas. Treinamento de rotina. Todos, sem exceção, precisam fazer. Não dura mais do que 15 minutos e é algo necessário. Depois disso. A partida.

O navio soa. Alto, todos no porto dão adeus. Um espetáculo a parte (foto de Santos, São Paulo, a partida, aqui em cima). Mesmo que não esteja partindo para sempre, dê adeus também, acene. Acaba por se sentir parte. Em breve estará de volta, com um pouco mais do mar, em você.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Viajando para "dentro"


"O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo, não é parte;
mas se a parte o faz todo, sendo parte,
não se diga que é parte, sendo todo"
(Gregório de Matos)


Hoje a cabeça está cheia, entumecida, balonada, ou seja lá qual for o adjetivo.

Aquele dia pesado mentalmente. Entendem?

Escrevo (de forma amadora, é claro) sobre viagens. Mas talvez eu nunca tenha me dado à esse luxo (ou será falta de ousadia mesmo?), o de escrever sobre a viagem interna que todos nós realizamos diariamente (consciente ou inconscientemente).

Pois hoje decidi sentar aqui e dizer umas boas verdades. Acredito que mais para mim do que para vocês, coitados. Mas sempre tive essa necessidade, de expor os fatos, de forma que eles tendam a se organizar depois disso, criar uma certa ordem (ou desordem pseudo-organizada) dentro de mim.

Mas então, quais são os fatos?

Vejo e sinto tantas pessoas ao meu redor. O dia-a-dia me faz isso, conviver. Viver e ver o quão diverso é o mundo e as diferentes formas na qual uma mente pode se apresentar às outras. Porém, em minhas viagens, notei que ao mesmo tempo que parecemos ser muito diferentes, somos extremamente semelhantes, embora não percebamos isso.
A percepção do mundo ao redor é uma difícil característica de ser encontrada hoje em dia. Percebermos que não estamos sozinhos (de fato), que vivemos em uma grande comunidade denominada Terra, que nossos prazeres podem sim serem atingidos (sem que, para isso, tantos outros prazeres alheios sejam deixados de lado). Que muito antes de existir o eu, existe o nós.

E então, eu olho para o mundo e penso: "?"

Quer dizer então que a grande maioria não tem o sentir-se-parte-de?
Brasileiros falando mal de brasileiros, brigas de estados. Uns achando-se pais do filho pródigo, enquanto outros são rebaixados à nada. Pessoas que trabalham, muitas vezes mais do que todos juntos, faça chuva ou faça sol, sendo minimizadas. "Ah, mas o povo brasileiro é assim mesmo, não gosta de trabalhar." Quem diz isso ao certo não pega ônibus às 07h da manhã ou às 18h da tarde. Eles geralmente estão vazios, com alguns poucos pé-rapados que não gostam de trabalhar, passeando pela cidade, à toa.

Isso, é claro, sem nem citar o problema dos negros e das mulheres. (é... problema, gente - preconceito, há)
Ainda existe esse tipo de pensamento.
Temos inclusive grupos que visam rebaixar/eliminar Chineses, Coreanos, Índios, Indianos, homossexuais. São poucos? Eu pensava que eram, mas não são.

Já repararam como pessoas gostam de colocar a culpa umas nas outras?
A culpa é do governo, do vizinho, do cachorro do vizinho (desses eu tenho dó), do padeiro, do jornaleiro, do governo (eu já disse isso?)... ah sim, e da sociedade (essa palavra também é aplicada com frequência).
Troquemos então a palavra culpa por responsabilidade.

Pois se o planeta é um bem público, façamos o favor de nos sentir parte dele. De tomarmos a responsabilidade dos fatos. Aqui não existe mais o seu problema e o meu problema, mas sim o nosso problema.

E aqueles que têm mais (leia-se: dinheiro) e acham-se no direito de, de fato, sentirem-se melhor que o resto dos 90% do mundo que não têm (maioria, isso mesmo)? Como diria Cazuza "vamos pedir piedade, senhor piedade... pra essa gente careta e covarde".

A África é simplesmente inexistente no cenário global. (e esse parágrafo, mesmo sendo o menor, é o mais profundo e real)

-
Hoje, pela primeira vez, tive vontade de sair daqui. Daqui onde? Sei lá, de mim, pode ser?
Será que é porque eu já viajei e me joguei sobre novas experiências e culturas? Nasci assim? (com certeza não)
Fiquei em crise. Por me sentir parte de um sistema todo falido. Fadado ao fracasso e à tudo isso que assistimos na televisão (outro grande erro, diga-se de passagem) todos os dias. Não faço apologia ao capitalismo, comunismo, anarquismo ou socialismo. Também não faço à religiões. Mas há sim o repúdio. Não a essas criações, mas sim a falta de senso crítico com que nos jogamos, todos.

Viajar para "dentro", ou para fora? Não me decidi direito quanto ao título ainda. Ao mesmo tempo que viajar para a cidade vizinha pode ser (e é, extremamente) construtivo, viajar para nós mesmos e realizar a tão falada (e sucatada) auto-reflexão é engrandecedor.
Tomar atitudes, é mais ainda.


Eu não faço o tipo que costuma escrever sobre assuntos não felizes, muito menos o tipo de 'vamos fazer um planeta melhor', mas consciência do mundo não saiu de moda, ainda.

A esperança, sempre permanece. Fazer a nossa parte, sempre.

"Amanhã, vai ser outro dia... amanhã, vai ser outro dia."
(Chico, meu querido)



sábado, 12 de fevereiro de 2011

Papéis, Restaurantes e Coimbra.

Eu diria que algo essencial para o ser humano viver é alimentação.
A alimentação diz muito sobre o seu povo, sobre a História, sobre os costumes.

Quando for à Coimbra, em Portugal, não esqueça de sair para jantar. Não só uma noite, saia mais. Suba e desça as vielas (que são muitas, como a ao lado) em busca de um local típico e gostoso para se alimentar. Em minhas andanças, tive o prazer de conhecer um restaurante chamado Zé Manel dos Ossos. Localizado em uma ruela pequena e que tinha o chão de pedra (como a grande maioria das ruas de lá). Confesso que senti-me no século XVIII/XIX, com o vento vindo não sei de onde, com a lua enorme e festiva no céu (que, no inverno, costuma estar desprovido de nuvens) e com algumas poucas pessoas andando pela noite fria. Costuma ser praticamente deserto. São poucos os que saem pela noite, lá a cidade não costuma ser movimentada como é por aqui.

A noite de Coimbra me lembrou as noites que fui ao Centro de São Paulo, próximo ao Museu Padre Anchieta, entregar lanches aos desabrigados que dormiam ali na região (aqui ao lado, linda e maravilhosa como só ela saber ser). Eu podia ter o deleite de passear pelo Centro, com aquele (dêem ênfase) ar da noite, sem aquela (dêem ênfase 2) agitação, sem aquela (adivinhem? Ênfase) quantidade incomum de pessoas, todas elas com um destino diferente, com um emprego - ou não - diferente. Tudo é mágico, único. O ar é diferente, chega a ser diferente o próprio ato inconsciente (que torna-se consciente) de respirar. Cheiro de vida adormecida, de vida esperando um novo dia e uma nova movimentação chegar às ruas do badalado Centro. O que esperar? Não se sabe, todo dia é uma novidade por lá. Talvez aí esteja a magia.

Entrei no restaurante. Com certeza não tinha a melhor aparência do mundo. Um cubículo, de alguns metros quadrados, com cerca de cinco mesas daquelas em que sentam no máximo quatro pessoas, um balcão, a churrasqueira, dois cozinheiros portugueses (sem bigodes) e o dono.
Ah sim, o dono. Esse merece uma descrição.

Aparenta estar em sua quinta década de vida, é 'forte' (leia-se um pouco acima do peso), bigode característico, cabelos curtos e pretos, pele clara e avermelhada, uma camisa que provavelmente já havia sido usada mais de uma vez naquela semana e com um pano pendurado em seu ombro (era com ele que o senhor limpava a mesa e o suor de seu rosto - não, eles não devem ter vigilância sanitária). Ele não costuma dar muitos sorrisos e é bem rápido (leia-se curto e grosso) em gerenciar o restaurante. Disse para nós "Ora, pois se tem algo que não sei responder, é isso" quando perguntamos sobre o tempo de espera para podermos sentar. O restaurante estava lotado.
Aprendi algo importante com viagens: não se deixe levar pelas aparências.
As paredes do restaurante estavam repletas de papéis, guardanapos e diversos derivados de árvores desmatadas. Eles apresentavam escrituras de múltiplas pessoas, de todas as idades e nacionalidades. Gostam de deixar lá seus recados. Algo interessante, mas eu diria que nada higiênico. Há quanto tempo estavam por lá? Ali um biólogo com interesse em ácaros com certeza faria a festa.
Aproximei-me dos papéis, comecei a lê-los, calmamente. Portugueses, brasileiros, americanos, ingleses, jamaicanos e japoneses já haviam deixado lá suas assinaturas (aqui embaixo temos o conjunto de ácaros).


"Pelo menos a comida deve ser boa", foi o que pensei. Definitivamente, era.
Comi cada parte de minha refeição, sem titubear um segundo. Saborosa, completa. Lembro-me do cheiro da comida (que por um acaso era arroz de frango - algo como um risoto misturado à um caldo generoso). O ambiente que, ao mesmo tempo não me agradou, junto à uma comida que de fato ficou marcada como uma das melhores refeições já feitas. Não é a toa que todas aquelas pessoas escreveram em guardanapos para deixar ali.
Esse restaurante não é o único a ter esse hábito. O Chez Lapin, na Cidade do Porto, deixava que os clientes colocassem as mensagens na própria parede, caso quisessem. Algo como pichações. Magnificamente anti-higiênico.

Costumes, hábitos, História, viagem. Para ser um bom viajante, acredito ser necessário saber participar de tudo, sem concepções pré-estabelecidas em mente. Faz muito bem para o seu corpo e para o prato em que você vai se satisfazer, numa noite fria de Portugal.