sábado, 12 de fevereiro de 2011

Papéis, Restaurantes e Coimbra.

Eu diria que algo essencial para o ser humano viver é alimentação.
A alimentação diz muito sobre o seu povo, sobre a História, sobre os costumes.

Quando for à Coimbra, em Portugal, não esqueça de sair para jantar. Não só uma noite, saia mais. Suba e desça as vielas (que são muitas, como a ao lado) em busca de um local típico e gostoso para se alimentar. Em minhas andanças, tive o prazer de conhecer um restaurante chamado Zé Manel dos Ossos. Localizado em uma ruela pequena e que tinha o chão de pedra (como a grande maioria das ruas de lá). Confesso que senti-me no século XVIII/XIX, com o vento vindo não sei de onde, com a lua enorme e festiva no céu (que, no inverno, costuma estar desprovido de nuvens) e com algumas poucas pessoas andando pela noite fria. Costuma ser praticamente deserto. São poucos os que saem pela noite, lá a cidade não costuma ser movimentada como é por aqui.

A noite de Coimbra me lembrou as noites que fui ao Centro de São Paulo, próximo ao Museu Padre Anchieta, entregar lanches aos desabrigados que dormiam ali na região (aqui ao lado, linda e maravilhosa como só ela saber ser). Eu podia ter o deleite de passear pelo Centro, com aquele (dêem ênfase) ar da noite, sem aquela (dêem ênfase 2) agitação, sem aquela (adivinhem? Ênfase) quantidade incomum de pessoas, todas elas com um destino diferente, com um emprego - ou não - diferente. Tudo é mágico, único. O ar é diferente, chega a ser diferente o próprio ato inconsciente (que torna-se consciente) de respirar. Cheiro de vida adormecida, de vida esperando um novo dia e uma nova movimentação chegar às ruas do badalado Centro. O que esperar? Não se sabe, todo dia é uma novidade por lá. Talvez aí esteja a magia.

Entrei no restaurante. Com certeza não tinha a melhor aparência do mundo. Um cubículo, de alguns metros quadrados, com cerca de cinco mesas daquelas em que sentam no máximo quatro pessoas, um balcão, a churrasqueira, dois cozinheiros portugueses (sem bigodes) e o dono.
Ah sim, o dono. Esse merece uma descrição.

Aparenta estar em sua quinta década de vida, é 'forte' (leia-se um pouco acima do peso), bigode característico, cabelos curtos e pretos, pele clara e avermelhada, uma camisa que provavelmente já havia sido usada mais de uma vez naquela semana e com um pano pendurado em seu ombro (era com ele que o senhor limpava a mesa e o suor de seu rosto - não, eles não devem ter vigilância sanitária). Ele não costuma dar muitos sorrisos e é bem rápido (leia-se curto e grosso) em gerenciar o restaurante. Disse para nós "Ora, pois se tem algo que não sei responder, é isso" quando perguntamos sobre o tempo de espera para podermos sentar. O restaurante estava lotado.
Aprendi algo importante com viagens: não se deixe levar pelas aparências.
As paredes do restaurante estavam repletas de papéis, guardanapos e diversos derivados de árvores desmatadas. Eles apresentavam escrituras de múltiplas pessoas, de todas as idades e nacionalidades. Gostam de deixar lá seus recados. Algo interessante, mas eu diria que nada higiênico. Há quanto tempo estavam por lá? Ali um biólogo com interesse em ácaros com certeza faria a festa.
Aproximei-me dos papéis, comecei a lê-los, calmamente. Portugueses, brasileiros, americanos, ingleses, jamaicanos e japoneses já haviam deixado lá suas assinaturas (aqui embaixo temos o conjunto de ácaros).


"Pelo menos a comida deve ser boa", foi o que pensei. Definitivamente, era.
Comi cada parte de minha refeição, sem titubear um segundo. Saborosa, completa. Lembro-me do cheiro da comida (que por um acaso era arroz de frango - algo como um risoto misturado à um caldo generoso). O ambiente que, ao mesmo tempo não me agradou, junto à uma comida que de fato ficou marcada como uma das melhores refeições já feitas. Não é a toa que todas aquelas pessoas escreveram em guardanapos para deixar ali.
Esse restaurante não é o único a ter esse hábito. O Chez Lapin, na Cidade do Porto, deixava que os clientes colocassem as mensagens na própria parede, caso quisessem. Algo como pichações. Magnificamente anti-higiênico.

Costumes, hábitos, História, viagem. Para ser um bom viajante, acredito ser necessário saber participar de tudo, sem concepções pré-estabelecidas em mente. Faz muito bem para o seu corpo e para o prato em que você vai se satisfazer, numa noite fria de Portugal.

Um comentário:

  1. Falamos disso hoje durante nosso almoço. Adorei a descrição e as fotos! (...) Olha, sinceramente, não sei se teria sua coragem para comer nesse lugar. rs
    Amo você, beijos!

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